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5 de set. de 2009

Saudades do velho Lobo



Quando abri a página do Jornal do Brasil na internet para ler a crônica diária de Fausto Wolff, me deparei com a notícia. Fausto morreu. Como assim? – indaguei já com um nó na garganta. Eu achava que ele era imortal. Acompanhei tudo que escreveu desde a revista Bundas, li seus livros e parecia que nos conhecíamos a milênios. Ele já se tornara aqui de casa, apesar de nunca nos encontrarmos pessoalmente. Como agora ele vai assim sem dizer nada - pensei – e quem vai escrever a crônica de amanhã? Quem vai escrever histórias que são tão minhas como a minha própria história? Quem vai continuar me incentivando a combater o sistema que empobrece cada vez mais os pobres e enriquece cada vez mais os ricos? Quem? Não encontrei resposta. No seu lugar o silêncio. Um silêncio ensurdecedor.

Fausto tem uma biografia de sucesso, porém não pelo dinheiro que ganhou – se é que ganhou algum – mas por sua ética diante o jornalismo. Aos quatorze anos se tornou repórter e nunca mais parou de escrever. Adorava a notícia, ficava indignado com a vergonha da política nacional e bradava a quem quisesse ouvir que o Brasil sempre estivera emporcalhado. Que enquanto existisse um rico vivo não existiria igualdade social. Morreu sem ver que Sarney foi absolvido por Lula que agora posa sorrindo com Collor em fotos divulgadas na imprensa, mas de onde estiver tenho certeza que está repetindo as palavras escritas em seu livro A Mão esquerda numa referência ao senador: “Não houve um só dia de governo na corrupção de Sarney”.

Hoje faz um ano que o Cavaleiro da Triste Figura nos deixou. Deixou a mim e a uma legião de admiradores com fome de justiça social e da socialização da cultura. Fausto escrevera um livro que, acredito, deveria ser obrigatório nas escolas – os leitores admiradores do bardo têm que concordar comigo – o livro é Carta aos Estudantes. Creio que se todas as crianças, assim que aprendessem as primeiras palavras, lessem este livro, desde cedo se dariam conta do país em que vivemos e começariam a ter consciência social. O princípio da mudança foi apontado. E foi Fausto quem apontou.

Aristóteles disse que toda a arte e toda indagação visam algum bem e estou certo de que o bem plantado por Fausto em sua arte e em sua indagação acerca dos mais variados assuntos são os milhares de seguidores e admiradores que deixou. Seus amigos pessoais escreveram coisas fantásticas sobre ele, entretanto me chamou bastante a atenção o texto do Ziraldo publicado no JB uma semana post mortem. O autor relembra do enterro de Drummond e conta que, naquele ano, aquela era a quinta vez que estacionava no São João Batista quando o guardador como que acostumado com sua presença disse: "Seu pessoal tá indo embora, hein, doutor!". Infelizmente estão todos indo embora. Oswald disse: “O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus”. Entretanto, fico imaginando quão divertido deve estar o céu. Festas Dionisíacas, Kaos, e muita celebração.

Fausto vai deixar sempre essa saudade. O seu jeito peculiar de observar o mundo sempre fará falta, porém sabemos de que ponto partia o seu ponto de vista e, sempre que nos depararmos com alguma situação de injustiça, que, creio, não irá faltar, nos lembraremos de suas palavras e as teremos sempre como leme para a construção de um país melhor. Um país com justiça social e, acima de tudo, um país onde tenhamos orgulho de nossos homens, pois como disse o poeta: “um país se faz de homens e livros”.

Fique em paz Lobo querido! Um copo d’agua com um girassol.

Abaixo uma de suas crônicas geniais:

"Outro dia quase bati as botas. Fechado o expediente, fiquei bebendo uísque enquanto olhava o mar. À medida que bebia, mais o mar se agitava, me agitando também. Tive uma idéia genial e voltei ao computador, mas - vejam só - não conseguia escrever as frases direito. Era sempre aprotaledo pelas pavrolas. Retornei à janela, fiquei vendo o mar e tendo idéias geniais. Bebi mais algumas doses de uísque e, quando minha mulher voltou do trabalho (é, meus filhos, alguém tem de prover), contei-lhe o que ocorrera. Ela: ''Você teve um princípio de enfarte ou um princípio de isquemia'', e, sob meus discretos protestos, arrastou-me ao hospital.

Colocaram-me num leito ao lado de muitos outros, separados por um lençol. Braços furados por mil agulhas, fui vítima de um clister e do resultado do clister, tudo isso em meio a dezenas de pessoas que fingiam ignorar minha indiscreta performance. Lá pelas nove da manhã fugi do hospital e fui caminhando por Ipanema. Acabei num boteco em frente ao estúdio do Millôr, na Gomes Carneiro. Tomei um conhaque, comi um sanduíche de pernil e fumei um cigarro. Bateu-me a vontade de escrever um poeminha. Pedi lápis e caneta, mas as mãos não obedeciam ao cérebro.

Só depois de desenhar mentalmente a letra é que conseguia reproduzi-la no papel e ainda assim muito mal. Desisti do poema e fui pedir a opinião do Millôr, que há 50 anos é uma espécie de irmão mais velho. Aconselhou-me a voltar ao hospital, o que fiz de táxi desta vez. As enfermeiras me receberam de braços abertos e nem me torturaram. Tivera mesmo uma isquemia. Três dias depois, feitos todos os exames, me mandaram embora e proibiram-me de fazer as três coisas de que mais gosto: ver Mannhattan connection, discutir com adolescentes e ler originais não solicitados.

Caíram nessa? Não acredito. É isso mesmo que vocês pensaram. Estou proibido de fumar, beber e procriar, pois, no meio de uma dessas atividades, o sangue pode derrapar na veia e sair da pista da minha vida, que pode não ser grande coisa mas é minha. Por isso nunca mais fumei, bebi e procriei ao mesmo tempo. Tudo tem seu tempo certo."
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