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10 de mai. de 2014

Jair Rodrigues chega ao céu

Lá no céu, Elis Regina acorda bem cedinho. Nesta quinta-feira, porém se levantou mais cedo do que de costume. Depois de tomar uma xícara de café e de fumar um cigarro olhando para o horizonte, saiu andando pelas nuvens observando as flores no jardim enquanto os pássaros gorjeiam a melodia de A Felicidade. Mais adiante, é possível observar dois cães brincando de correr no gramado verde e ainda úmido com o orvalho da madrugada em uma quase dança cadenciada e harmoniosa. São Zigue e Zague, dois vira-latas que vivem próximo à casa de Wilson Simonal.

Elis está ansiosa, talvez tanto quanto no dia da estreia de O fino da Bossa em julho de 1964, pois hoje é uma data muito especial. Caminha mais um pouco e atravessa uma pequena ponte sobre um riacho de águas cristalinas em que é possível ver os peixes nadando muito rápido, como em um arrastão. Logo mais ao alto, sobre uma montanha de nuvens branquinhas, há uma casinha amarela com duas janelas. Elis chega ao pé da porta e diz: - Baden, você está ai? Vamos que é hoje!

Baden Powell, após verificar quem era e alisar o bigode com o polegar e o indicador, pega o violão e toca o tema de Canto de Ossanha somente para aquecer os dedos e, em seguida, ambos seguem por entre as nuvens até a recepção, local em que os anjos estão posicionados em um semicírculo, à esquerda de uma porta que leva a uma espécie anfiteatro. Baden, ao violão, ensaia alguns acordes dissonantes enquanto Elis toma um pouco de água para lubrificar a voz.

Nisso, chega conduzido por um anjo serafim, Jair Rodrigues que é recebido pelos colegas ao som de Disparada. Ele se anima e, com seu sorriso largo e sua voz inconfundível, inicia um dueto celestial com a amiga de tantos anos enquanto Baden executa o seu também inconfundível violão. Na hora do refrão o coral incrementa o encontro musical cantando em uníssono “Na boiada já fui boi, mas um dia me montei / Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse...”. Foi tudo muito lindo.

Após a recepção calorosa dos amigos, Elis pergunta por Chico e Edu. “Estão muito bem! Cantando e tocando aquelas lindas canções e compondo outras ainda mais belas”, responde Jair que aproveita para perguntar por Vinícius de Moraes. Baden o informa que o poetinha devia estar dormindo, pois na noite anterior tinha tomado um porre, mas que logo viria ao seu encontro. O trio de amigos caminha então por sobre as nuvens olhando aqui para a Terra com os olhos rasos de uma saudade satisfeita. Desde a noite do dia oito de maio uma nova estrela começou a brilhar no céu, logo ali do lado esquerdo do Cruzeiro do Sul. Ela passa a noite inteira piscando na cadência de “Deixa que digam, que pensem, que falem. Deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem?”, você já viu?

Artigo publicado na sexta-feira (09) na edição impressa do Jornal Regional.

1 comentários:

Anônimo disse...

muito bom meu amor! texto impecável!

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