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5 de jul. de 2014

O jogador

Clarismar joga futebol todos os domingos de manhã em um campo mantido pelo poder público. Não é muito próximo a sua casa e mesmo assim nunca faltou a nenhum dos jogos do Unidos do Cafundó, time no qual despontou como atleta ainda quando adolescente. Atua na ponta e além de puxar a marcação, busca o jogo no meio-de-campo quando a defesa está mais forte. Corre o tempo todo pela lateral até o centro e parece nunca cansar. Apesar da idade é um dos destaques do campeonato este ano e, se continuar assim, pode ganhar uma medalha no final.

O jogo de camisa do time é patrocinado por um minimercado do bairro que vê na publicidade estampada no peito dos jogadores uma chance de aumentar as vendas dos seus produtos. O bar que fica em frente ao campo assa espetinhos na churrasqueira armada na calçada com a intensão do público consumir o petisco acompanhado com cerveja depois do jogo. Os jogadores sempre têm uma caixa da bebida preferida dos brasileiros patrocinada pelo dono da padaria, um senhor de bigode muito boa praça e que já foi candidato a vereador duas vezes sem sucesso, mas que vê no gesto uma possibilidade de cultivar alguns votos.

Clarismar tem três filhos e trabalha duro durante a semana como ajudante geral em uma multinacional. Na empresa é apenas um número e ninguém nota sua presença enquanto passa o rodo no chão das salas e dos corredores. Às vezes esbarra em algum executivo apressado com as mãos abarrotadas de papeis que Clarismar presume serem muito importantes. O salário é baixo, porém tem algumas garantias como Vale Alimentação e Plano de Saúde com cobertura para os filhos e a mulher Janice. Nunca se perguntou se é realmente feliz, apenas vive como se viver fosse o suficiente. À tardinha, quando termina o expediente, passa no bar próximo a sua residência, toma duas doses de cachaça, sessenta centavos. Não demora e já segue para casa onde se acostumou a viver com tudo muito pouco, menos o amor pela mulher e pelos meninos que é muito e transcende toda a existência.

Os filhos de Clarismar têm oito, seis e quatro anos. Sempre que autorizados pela mãe acompanham o pai no sonho de se tornar um jogador de futebol profissional. O problema, porém, é que o tempo passa e agora com pouco mais de trinta anos não consegue ver muito futuro em sua paixão a não ser nos jogos amadores. Ainda que tenha muita raça, joga com cautela para não se machucar, pois tem de trabalhar no dia seguinte e trabalhar todos os dias com carteira assinada, bem sabe Clarismar, é fundamental para suprir os poucos desejos e as muitas necessidades de sua família.

Quando o jogo acaba, os meninos comemoram com o pai a vitória do seu time ou tentam consolar caso ocorra a derrota. O combinado é que no primeiro domingo de cada mês o pai leva os meninos para comer uma coxinha cada e uma Coca-Cola de dois litros da qual também se serve em um copo um pouco maior misturado com uma dose de 51. Enquanto cuida da limpeza da empresa em que trabalha, ou quando está no bar, à tarde, bebendo a sua cachacinha; ou quando está em campo aos olhos de toda a torcida, Clarismar não pensa na inflação, no alto custo de vida Brasil, no descaso do governo com a saúde, com a inflação que sobe aceleradamente, com o preço dos produtos nas prateleiras. Clarismar é visto pelos filhos como herói. Clarismar quer dar uma vida melhor para os filhos e a esposa. Clarismar não tem sonhos definidos. Clarismar quer apenas ser jogador.

Artigo publicado na sexta-feira (04) na edição impressa do Jornal Regional.

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