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2 de ago. de 2014

Recortes

A minha paixão por papel teve início quando ainda muito jovem. Não me recordo exatamente como começou, mas a mais antiga lembrança que guardo é um bilhete cor-de-rosa distribuído gratuitamente quando da inauguração do Trólebus em Rio Claro com a seguinte frase no verso: “Tenho 9 anos para eu lembrar quando crescer”. Depois vieram as matérias de revistas que recortava em consultórios médicos, os jornais velhos que ganhava e os panfletos de política. O papel tem um poder estranho de eternizar os acontecimentos que me fascina e por mais que o mundo fique moderno ainda o temos como sinônimo de legitimidade.

Gosto do cheiro de papel seja porque é novo, seja porque é velho. A minha coleção de recortes e de jornais começou a tomar forma no ano 2000, quando passei a comprar diversos periódicos semanalmente. Parte desse acervo continua na casa de minha mãe, guardado em caixas arquivo no quarto dos fundos. Na tentativa de organizar, arquitetei um esquema no qual os recortes ficam sequenciados e separados por abas que fiz com papel cartão identificadas na parte superior com as letras do alfabeto.

A minha coleção conta com artigos de mais de uma dezena de colunistas que, por questão ideológica ou de estética, venho lendo e guardando. Algo que serve como suporte para o conhecimento ou apenas para juntar barata, como diria minha mãe. Infelizmente, a minha coleção ficou um pouco mais pobre desde o último domingo. Juntamente com Fausto Wolff – que foi embora antes do combinado, em 2008 –, Daniel Piza – que nos deixou em dezembro de 2011 – e Millôr Fernandes – que partiu em 2012 –, João Ubaldo Ribeiro figurava entre os meus cronistas preferidos. Um mestre que ajudava a enxergar o Brasil com uma ironia fina e um sarcasmo poético, eventualmente metafórico.

Como faço religiosamente há quatorze anos, aos domingos saio para buscar os jornais e as revistas da semana. Por mais que me digam que ficaria mais barato se assinasse as publicações e que, às vezes, até ganharia um bom desconto além da comodidade de não precisar sair de casa, não consigo imaginar as minhas manhãs sem bater aquele papo profícuo com meu amigo Carlinhos, o dono da banca, e os seus assíduos fregueses matinais. Ainda que soubesse da morte de Ubaldo e tivesse acompanhado toda a repercussão, por um instante, não me ative ao fato de que tinha morrido no último dia 18.

Ao voltar para casa procurei seu texto e foi então que me dei conta de sua ausência e do abismo intelectual que se formou nas minhas manhãs de domingo. Não preciso repetir que João Ubaldo Ribeiro foi um grande autor e que o Brasil acaba de perder um dos maiores expoentes da literatura. Creio que muito mais que um escritor que merece todas as honras possíveis, Ubaldo deve também ser lembrado, acima de tudo, como um dos mais extraordinários críticos do status quo. Ubaldo, assim como Fausto, Piza e Millôr deixa minha coleção de recortes incompleta cedo demais. Dentre as muitas coisas que ficam, sigo com a frase: “Faço tudo que me dá na cabeça, não quero saber de limitações. Eu não pequei contra a luxúria. Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer.” Bom dia a todos!

Artigo publicado na quarta-feira (30) na edição impressa do Jornal Cidade.

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