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Garoto Enxaqueca - Compilação de Vinhetas - MTV Brasil
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31 de ago. de 2014

Nota sobre cinema nº 2

Na minha ingênua opinião, o filme Over the Top, popularmente conhecido no Brasil como Falcão – O Campeão dos Campeões, é disparado o melhor longa-metragem de Sylvester Stallone. O eterno Rambo surpreendeu tanto na atuação da personagem Lincoln Hawk quanto no roteiro que, a exemplo da franquia Rocky, também é de sua autoria. O longa dirigido por Menahem Golan (Comando Delta e De volta a Índia) retrata a vida de Falcão, um solitário caminhoneiro que ganha a vida fazendo entregas pelos Estados Unidos.


Quando descobre que a ex-mulher, Christina Cutler (Susan Blakely), está com uma doença incurável, o caminhoneiro e ex-lutador, tenta reconquistar o amor do filho, Michael Cutler (David Mendenhall), que recebeu educação em um colégio militar e sofre grande influência do avô materno, Jason Cutler (Robert Loggia). Para poder ficar com a guarda do filho, Falcão enfrenta muitos obstáculos que vão desde a apatia do filho até a realidade de sua condição financeira em detrimento a do ex-sogro, porém resolve se inscrever em um campeonato de queda de braço com o intuito de ganhar o suficiente para recomeçar ao lado do unigênito.

O filme está repleto de pontos que valem a pena serem avaliados, principalmente em tempos difíceis como o que estamos vivendo em que os valores sofrem inversões e são vistos como sinal de fraqueza e não o contrário. A diferença social entre Falcão e Christina, por exemplo, é um fator que pode ter implicado na animosidade do sogro para com o caminhoneiro, que tirando a roupa do corpo e o caminhão, não tinha mais nada. Fica implícito também que a separação do casal talvez tenha ocorrido devido a esse motivo, mas veja: mesmo com o sofrimento e demais implicações, Falcão transmite durante todo o tempo que passa com o filho valores que são inerentes ao ser humano para seguir com uma boa vida.

Da mesma forma, há também a relação com o trabalho de caminhoneiro e o amor que aparenta ter pela profissão, sentimento que é evidenciado diversas vezes e que, em determinado momento, explicita. “Pra dizer a verdade, o caminhão é a coisa mais importante para mim. Não me importa se vou ser o campeão, isso não é o mais importante. Eu necessito é do caminhão.” Muito mais que um filme sobre um caminhoneiro durão em disputas de braço de ferro, Falcão – O Campeão dos Campeões, é um exemplo de que bons filmes podem ser feitos com baixo orçamento e que, apesar de quando lançados serem mal recebidos pela crítica acostumada a babar ovos para as megaproduções, podem se tornar bons exemplos de princípios em um futuro não muito distante.

O que fica de todo e qualquer julgamento que se faça desse filme esquecido nas prateleiras das antigas locadoras e constantemente reprisado nas madrugadas das tevês a cabo é o exemplo. Aprendemos desde a mais tenra idade que um grama de exemplo vale mais que uma tonelada de conselhos. Às vezes um filme, independente do gênero, chama a atenção por uma frase solta que é dita em um momento qualquer enquanto o telespectador se distrai levando a pipoca à boca. Over the Top, muito além de ser um filme com as qualidades que acabo de descrever é significativo para mim justamente por uma frase que é a síntese de tudo e serve como exemplo. “O mundo não para de girar. Quando você quer algo, tem que pegar”, diz Falcão para o filho. Pois é! A vida é conquista e o mundo, definitivamente, não para de girar!

Artigo publicado na sexta-feira (29) na edição impressa do Jornal Regional.
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25 de ago. de 2014

O valor das coisas

Impressionante como em todo lugar não se fala em outro assunto. Na semana passada, depois de passar na banca do Carlinhos e pegar os jornais, aproveitei para rever os amigos e tomar uma gelada. Domingo de manhã o pessoal gosta de se encontrar no bar do Toninho. João Gandóla, como sempre o mais incisivo de todos, me interpelou dizendo que está inconformado com o preço dos produtos nas prateleiras. “Aos sábados, faço as compras com minha mulher. Gasto em média duzentos reais por semana e ainda assim saímos com apenas três sacolinhas! Há algo de errado com a economia!” Tôco, um alemão de não mais de um metro e sessenta, retrucou: “Se tá ruim pra você Gandóla, imagina pra quem ganha um salário mínimo! Num dá nem dez mil real por ano! Mas também o que é dez mil, né mesmo?” Percebi que a conversa caminhava para um rumo bastante fértil, mas já era quase hora do almoço então preferi pagar a cerveja, pegar o frango e voltar para casa.


O que percebo é que cada vez mais as pessoas estão se conscientizando, fato que deve preocupar algumas esferas políticas. E as eleições estão chegando, com muitos candidatos e poucas propostas. Por falar em propostas, no sábado retrasado, encontrei casualmente o meu grande amigo e confrade intelectual, Thiago Buoro, que estava a passeio aqui na querida Cidade Azul. Desde que foi para Araraquara nos vemos muito pouco devido às tarefas que acumulamos, tanto no trabalho quanto na academia. Entre as muitas coisas que conversamos, falávamos justamente das propostas que arquivávamos quando éramos mais jovens, no tempo em que os candidatos até tinham plano de governo. Thiago e eu nos encontramos logo depois do show do Ari Toledo que, aliás, foi maravilhoso e para o qual abro um novo parágrafo.

Antes do politicamente correto e de seus disparates – que facilmente entrariam para o FEBEAPA de Stanislaw Ponte Preta – anedotas acerca do status quo eram feitas e permanecia tudo bem, pois piada é isso mesmo! O mais engraçado dos Trapalhões, criador de um novo glossário (quem não lembra de forévis, cacíldis, coraçãozis?) é a prova de como tudo era mais simples quando não havia essa marcação cerrada com os humoristas. Bom, isso é apenas minha opinião, ou seja, o que eu acho. A propósito, lembrei uma piadinha que Ari contou no show: diz que no tempo da ditadura (a militar) perguntaram o que ele achava dos métodos utilizados pelo regime. Eis que respondeu: “Eu não acho nada. Tinha um amigo que achava e não estão mais achando o meu amigo.”

Mas voltando ao meu encontro com Thiago, conversamos também sobre o aniversário do Plano Real. Lançado em 1994, no governo de Itamar Franco, o programa tinha como principal objetivo conter a hiperinflação. A idealização do projeto e a execução das reformas foram conduzidas pelo então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Thiago me ajudou a recordar que quando do lançamento da nova moeda um real tinha o mesmo valor de um dólar. O papo foi bastante frutífero, mas ficamos com a impressão de que vinte anos depois, em se tratando de poder de compra, a garoupa estampada na nota de cem virou um pequeno lambari e que a desvalorização do Real, infelizmente, vem se tornando uma crescente, fato que pude perceber também com o comentário de João Gandóla. Economicamente falando, o próximo presidente terá um enorme trabalho a partir de 2015.

Artigo publicado na quarta-feira (20) na edição impressa do Jornal Cidade.
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2 de ago. de 2014

O jardineiro e o office-boy

Naquele amplo jardim muito bem cuidado em que se amontoam diversas histórias que poderiam ser narradas pelo simples sabor do gesto, os pássaros colorem as manhãs de sol com sons verdes e as de chuva com tons avermelhados, no intuito de esboçar alguma alegria. Há violetas, petúnias, bromélias, hortênsias e margaridas. No fundo, algumas orquídeas e uma sequência de lírios da paz. Há também insetos que colaboram para o encanto do cenário que se mantém intacto durante as quatro estações.

O terreno abraçado por ruas paralelas é protegido com muros que impedem que o jardim seja visto por milhares de pessoas que se cruzam sem se notar e não percebem as pequenas diferenças quase invisíveis que acontecem na rapidez desnecessária e cotidiana. Mínimas biografias construídas enquanto carros, ônibus e motos circulam entre transeuntes apressados. O sinal que abre a cada 48 segundos. A atendente da barraca na esquina que chega a vender mais de mil salgados por mês e que nos dias de verão vê dobrar o consumo de Coca-Cola. Outro dia um carro ficou parado por três horas em frente a uma loja de suprimentos para escritório que fica no meio do quarteirão. Vida que segue... Mais tarde veio à tona que o dono o deixou ali até encontrar um mecânico, que constatou problema na injeção. Tudo ao mesmo tempo...

Um office-boy desce do ônibus todos os dias às 8h02. Juninho, como é conhecido em todos os lugares, está sempre com os fones do celular no ouvido. Hoje é dia 13 de julho. Como a maioria dos meninos e das meninas de sua geração, o rapaz adora música. Não sabe a diferença entre One Direction e Rolling Stones, mas diz gostar de rock. O ponto de ônibus fica do outro lado da rua, em frente ao muro, e ainda que Juninho não saiba que há flores por todos os lados ou quem sejam Floyd Council ou Pink Anderson, o garoto segue seu rumo dividido entre “rocks”, papéis timbrados e filas de bancos.

Da mesma forma, todos os dias, o jardineiro Florisvaldo fixa os olhos no relógio ponto como quem fita o horizonte e durante dois ou três segundos sente um prazer estranho ao ver o ponteiro girar. Bate o ponto às sete da manhã para em seguida iniciar o seu trabalho, sempre da mesma maneira. Desenrola a mangueira presa a um aro de automóvel fixado na parede e a posiciona no pé de uma das doze árvores sete-copas iniciando assim a irrigação. Em seguida, com uma vassoura, amontoa as folhas em diversos pontos estratégicos para depois recolher em um grande saco preto com a pá de lixo. Repete todas as manhãs esse ritual mágico e impreterível. Às vezes passa horas inteiras acariciando uma alamanda e há quem diga que Florisvaldo conversa com as plantas.

Na loucura cotidiana que evidencia o contraste entre a crueza das ruas e a delicadeza dos jardins, as chances de Florisvaldo e Juninho se encontrarem são infinitamente mínimas, mas ambos estão sob a visão diária de Paulo Cesar que, de sua mesa cheia de papéis e problemas a resolver, no oitavo andar de um conjunto de escritórios duas quadras dali, os observa como que em um ritual enquanto sorve o café em uma caneca de matéria plástica. O jardineiro e o office-boy estão separados pelo muro de preocupações individuais, construído por pessoas que caminham sem saber para onde e para quê. Diante da janela, PC assiste a um milagre incompreensível que não ousa decifrar e constata que tudo segue seu curso independente dos personagens que – ainda que não se conheçam e não tenham nada em comum – compõem esse fascínio indizível e indivisível que é a vida.

Artigo publicado na sexta-feira (01) na edição impressa do Jornal Regional.
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A minha paixão por papel teve início quando ainda muito jovem. Não me recordo exatamente como começou, mas a mais antiga lembrança que guardo é um bilhete cor-de-rosa distribuído gratuitamente quando da inauguração do Trólebus em Rio Claro com a seguinte frase no verso: “Tenho 9 anos para eu lembrar quando crescer”. Depois vieram as matérias de revistas que recortava em consultórios médicos, os jornais velhos que ganhava e os panfletos de política. O papel tem um poder estranho de eternizar os acontecimentos que me fascina e por mais que o mundo fique moderno ainda o temos como sinônimo de legitimidade.

Gosto do cheiro de papel seja porque é novo, seja porque é velho. A minha coleção de recortes e de jornais começou a tomar forma no ano 2000, quando passei a comprar diversos periódicos semanalmente. Parte desse acervo continua na casa de minha mãe, guardado em caixas arquivo no quarto dos fundos. Na tentativa de organizar, arquitetei um esquema no qual os recortes ficam sequenciados e separados por abas que fiz com papel cartão identificadas na parte superior com as letras do alfabeto.

A minha coleção conta com artigos de mais de uma dezena de colunistas que, por questão ideológica ou de estética, venho lendo e guardando. Algo que serve como suporte para o conhecimento ou apenas para juntar barata, como diria minha mãe. Infelizmente, a minha coleção ficou um pouco mais pobre desde o último domingo. Juntamente com Fausto Wolff – que foi embora antes do combinado, em 2008 –, Daniel Piza – que nos deixou em dezembro de 2011 – e Millôr Fernandes – que partiu em 2012 –, João Ubaldo Ribeiro figurava entre os meus cronistas preferidos. Um mestre que ajudava a enxergar o Brasil com uma ironia fina e um sarcasmo poético, eventualmente metafórico.

Como faço religiosamente há quatorze anos, aos domingos saio para buscar os jornais e as revistas da semana. Por mais que me digam que ficaria mais barato se assinasse as publicações e que, às vezes, até ganharia um bom desconto além da comodidade de não precisar sair de casa, não consigo imaginar as minhas manhãs sem bater aquele papo profícuo com meu amigo Carlinhos, o dono da banca, e os seus assíduos fregueses matinais. Ainda que soubesse da morte de Ubaldo e tivesse acompanhado toda a repercussão, por um instante, não me ative ao fato de que tinha morrido no último dia 18.

Ao voltar para casa procurei seu texto e foi então que me dei conta de sua ausência e do abismo intelectual que se formou nas minhas manhãs de domingo. Não preciso repetir que João Ubaldo Ribeiro foi um grande autor e que o Brasil acaba de perder um dos maiores expoentes da literatura. Creio que muito mais que um escritor que merece todas as honras possíveis, Ubaldo deve também ser lembrado, acima de tudo, como um dos mais extraordinários críticos do status quo. Ubaldo, assim como Fausto, Piza e Millôr deixa minha coleção de recortes incompleta cedo demais. Dentre as muitas coisas que ficam, sigo com a frase: “Faço tudo que me dá na cabeça, não quero saber de limitações. Eu não pequei contra a luxúria. Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer.” Bom dia a todos!

Artigo publicado na quarta-feira (30) na edição impressa do Jornal Cidade.
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21 de jul. de 2014

Ainda a educação

Como já disse outras vezes nesta coluna e venho repetindo há alguns anos sempre que tenho oportunidade, o desmantelo com a educação é uma das coisas mais preocupantes no Brasil e muitos são os fatores que distanciam os jovens das salas de aulas. O tráfico e a violência são os mais preocupantes, mas também colaboram para a pouca atratividade da escola o modo arcaico que o ensino se relaciona com os estudantes e a rapidez com que o mundo se apresenta fora da escola. No intuito de suprir o histórico déficit educacional, muitas coisas foram tentadas, mas a lacuna existencial entre os jovens e a escola continua uma constante nos últimos cinquenta anos.

Coordenado até a sua extinção, em 1969, por Maria Nilde Mascelani, o Serviço de Ensino Vocacional (SEV), conhecido popularmente como Ginásio Vocacional, foi uma ótima tentativa de fazer algo pelo país através da educação. Seis unidades foram instaladas em todo Estado nas cidades de São Paulo, São Caetano do Sul, Americana, Rio Claro, Batatais e Barretos. Essas escolas públicas funcionavam em período integral e primavam pelo conhecimento associado ao valor do trabalho em grupo e a ampliação de qualidades como o amadurecimento intelectual e social, além da descoberta da responsabilidade. Porém, vieram os jipes e tanques e acabaram com os planos.

Leonel Brizola, enquanto governador do Rio de Janeiro, também tentou fazer alguma coisa para melhorar a educação com um projeto educacional de autoria de Darcy Ribeiro, os Centros Integrados de Educação Pública. Os CIEP, como eram conhecidos, além do currículo regular contavam com atividades culturais, estudos dirigidos e educação física. Os alunos permaneciam na escola em tempo integral e recebiam também refeições completas, atendimento médico e odontológico. A capacidade média para cada unidade era de mil alunos e 512 unidades foram construídas durante seu governo. Porém, o projeto foi abandonado e jogado às traças por sucessores do governador.

Tiveram também os Centros Integrados de Atendimento à Criança, que nada mais eram que uma versão federal e collorida dos CIEP de Brizola. Os CIAC tinham como objetivo fornecer à criança e ao adolescente educação fundamental em tempo integral, além de programas de assistência à saúde, lazer e iniciação ao trabalho. Após o Impeachment de Collor, para não perder os investimentos, o programa teve continuidade, porém com outros termos e um novo nome: Centro de Atenção Integral à Criança (CAIC). Tanto os CIAC quanto os CAIC em sua maioria foram desamparados pelos governos posteriores, salvaguardando um ou outro que ainda funcionam com esforço de algumas prefeituras e professores bem intencionados.

Tem também o Cristovam Buarque, que fez e faz muito pela educação e talvez seja o último baluarte para os que ainda esperam a transformação social através do ensino. Idealizou enquanto reitor e professor da UnB, no ano de 1986, o Bolsa Escola – que primeiramente foi implantado em Campinas e Distrito Federal no ano de 1995 e, posteriormente, foi inserido como programa federal pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2001. Vale lembrar que FHC não fez questão de mudar o nome do projeto ainda que a ideia tivesse sido de um político da oposição.

Diferente de Lula que depois do fracasso do Programa Fome Zero (alguém se lembra?) mudou o nome para Bolsa Família e transformou o programa que tinha como objetivo promover a educação em uma forma de assistencialismo a qual tanto criticava. Uma coisa comum entre todas essas tentativas por uma melhor educação é que todas sofreram críticas que vão desde acusações de oportunismo político com potencial de clientelismo implícito às reclamações de alguns educadores críticos a esse tipo de projeto, pois acreditam que seria mais eficaz investir nos modelos de educação já existentes. Uma coisa é certa quando o assunto é educação: algo precisa ser feito no Brasil, se não...

Artigo publicado parcialmente na quarta-feira (16) na edição impressa do Jornal Cidade.
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5 de jul. de 2014

O jogador

Clarismar joga futebol todos os domingos de manhã em um campo mantido pelo poder público. Não é muito próximo a sua casa e mesmo assim nunca faltou a nenhum dos jogos do Unidos do Cafundó, time no qual despontou como atleta ainda quando adolescente. Atua na ponta e além de puxar a marcação, busca o jogo no meio-de-campo quando a defesa está mais forte. Corre o tempo todo pela lateral até o centro e parece nunca cansar. Apesar da idade é um dos destaques do campeonato este ano e, se continuar assim, pode ganhar uma medalha no final.

O jogo de camisa do time é patrocinado por um minimercado do bairro que vê na publicidade estampada no peito dos jogadores uma chance de aumentar as vendas dos seus produtos. O bar que fica em frente ao campo assa espetinhos na churrasqueira armada na calçada com a intensão do público consumir o petisco acompanhado com cerveja depois do jogo. Os jogadores sempre têm uma caixa da bebida preferida dos brasileiros patrocinada pelo dono da padaria, um senhor de bigode muito boa praça e que já foi candidato a vereador duas vezes sem sucesso, mas que vê no gesto uma possibilidade de cultivar alguns votos.

Clarismar tem três filhos e trabalha duro durante a semana como ajudante geral em uma multinacional. Na empresa é apenas um número e ninguém nota sua presença enquanto passa o rodo no chão das salas e dos corredores. Às vezes esbarra em algum executivo apressado com as mãos abarrotadas de papeis que Clarismar presume serem muito importantes. O salário é baixo, porém tem algumas garantias como Vale Alimentação e Plano de Saúde com cobertura para os filhos e a mulher Janice. Nunca se perguntou se é realmente feliz, apenas vive como se viver fosse o suficiente. À tardinha, quando termina o expediente, passa no bar próximo a sua residência, toma duas doses de cachaça, sessenta centavos. Não demora e já segue para casa onde se acostumou a viver com tudo muito pouco, menos o amor pela mulher e pelos meninos que é muito e transcende toda a existência.

Os filhos de Clarismar têm oito, seis e quatro anos. Sempre que autorizados pela mãe acompanham o pai no sonho de se tornar um jogador de futebol profissional. O problema, porém, é que o tempo passa e agora com pouco mais de trinta anos não consegue ver muito futuro em sua paixão a não ser nos jogos amadores. Ainda que tenha muita raça, joga com cautela para não se machucar, pois tem de trabalhar no dia seguinte e trabalhar todos os dias com carteira assinada, bem sabe Clarismar, é fundamental para suprir os poucos desejos e as muitas necessidades de sua família.

Quando o jogo acaba, os meninos comemoram com o pai a vitória do seu time ou tentam consolar caso ocorra a derrota. O combinado é que no primeiro domingo de cada mês o pai leva os meninos para comer uma coxinha cada e uma Coca-Cola de dois litros da qual também se serve em um copo um pouco maior misturado com uma dose de 51. Enquanto cuida da limpeza da empresa em que trabalha, ou quando está no bar, à tarde, bebendo a sua cachacinha; ou quando está em campo aos olhos de toda a torcida, Clarismar não pensa na inflação, no alto custo de vida Brasil, no descaso do governo com a saúde, com a inflação que sobe aceleradamente, com o preço dos produtos nas prateleiras. Clarismar é visto pelos filhos como herói. Clarismar quer dar uma vida melhor para os filhos e a esposa. Clarismar não tem sonhos definidos. Clarismar quer apenas ser jogador.

Artigo publicado na sexta-feira (04) na edição impressa do Jornal Regional.
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