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31 de ago. de 2014

Nota sobre cinema nº 2

Na minha ingênua opinião, o filme Over the Top, popularmente conhecido no Brasil como Falcão – O Campeão dos Campeões, é disparado o melhor longa-metragem de Sylvester Stallone. O eterno Rambo surpreendeu tanto na atuação da personagem Lincoln Hawk quanto no roteiro que, a exemplo da franquia Rocky, também é de sua autoria. O longa dirigido por Menahem Golan (Comando Delta e De volta a Índia) retrata a vida de Falcão, um solitário caminhoneiro que ganha a vida fazendo entregas pelos Estados Unidos.


Quando descobre que a ex-mulher, Christina Cutler (Susan Blakely), está com uma doença incurável, o caminhoneiro e ex-lutador, tenta reconquistar o amor do filho, Michael Cutler (David Mendenhall), que recebeu educação em um colégio militar e sofre grande influência do avô materno, Jason Cutler (Robert Loggia). Para poder ficar com a guarda do filho, Falcão enfrenta muitos obstáculos que vão desde a apatia do filho até a realidade de sua condição financeira em detrimento a do ex-sogro, porém resolve se inscrever em um campeonato de queda de braço com o intuito de ganhar o suficiente para recomeçar ao lado do unigênito.

O filme está repleto de pontos que valem a pena serem avaliados, principalmente em tempos difíceis como o que estamos vivendo em que os valores sofrem inversões e são vistos como sinal de fraqueza e não o contrário. A diferença social entre Falcão e Christina, por exemplo, é um fator que pode ter implicado na animosidade do sogro para com o caminhoneiro, que tirando a roupa do corpo e o caminhão, não tinha mais nada. Fica implícito também que a separação do casal talvez tenha ocorrido devido a esse motivo, mas veja: mesmo com o sofrimento e demais implicações, Falcão transmite durante todo o tempo que passa com o filho valores que são inerentes ao ser humano para seguir com uma boa vida.

Da mesma forma, há também a relação com o trabalho de caminhoneiro e o amor que aparenta ter pela profissão, sentimento que é evidenciado diversas vezes e que, em determinado momento, explicita. “Pra dizer a verdade, o caminhão é a coisa mais importante para mim. Não me importa se vou ser o campeão, isso não é o mais importante. Eu necessito é do caminhão.” Muito mais que um filme sobre um caminhoneiro durão em disputas de braço de ferro, Falcão – O Campeão dos Campeões, é um exemplo de que bons filmes podem ser feitos com baixo orçamento e que, apesar de quando lançados serem mal recebidos pela crítica acostumada a babar ovos para as megaproduções, podem se tornar bons exemplos de princípios em um futuro não muito distante.

O que fica de todo e qualquer julgamento que se faça desse filme esquecido nas prateleiras das antigas locadoras e constantemente reprisado nas madrugadas das tevês a cabo é o exemplo. Aprendemos desde a mais tenra idade que um grama de exemplo vale mais que uma tonelada de conselhos. Às vezes um filme, independente do gênero, chama a atenção por uma frase solta que é dita em um momento qualquer enquanto o telespectador se distrai levando a pipoca à boca. Over the Top, muito além de ser um filme com as qualidades que acabo de descrever é significativo para mim justamente por uma frase que é a síntese de tudo e serve como exemplo. “O mundo não para de girar. Quando você quer algo, tem que pegar”, diz Falcão para o filho. Pois é! A vida é conquista e o mundo, definitivamente, não para de girar!

Artigo publicado na sexta-feira (29) na edição impressa do Jornal Regional.
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25 de ago. de 2014

O valor das coisas

Impressionante como em todo lugar não se fala em outro assunto. Na semana passada, depois de passar na banca do Carlinhos e pegar os jornais, aproveitei para rever os amigos e tomar uma gelada. Domingo de manhã o pessoal gosta de se encontrar no bar do Toninho. João Gandóla, como sempre o mais incisivo de todos, me interpelou dizendo que está inconformado com o preço dos produtos nas prateleiras. “Aos sábados, faço as compras com minha mulher. Gasto em média duzentos reais por semana e ainda assim saímos com apenas três sacolinhas! Há algo de errado com a economia!” Tôco, um alemão de não mais de um metro e sessenta, retrucou: “Se tá ruim pra você Gandóla, imagina pra quem ganha um salário mínimo! Num dá nem dez mil real por ano! Mas também o que é dez mil, né mesmo?” Percebi que a conversa caminhava para um rumo bastante fértil, mas já era quase hora do almoço então preferi pagar a cerveja, pegar o frango e voltar para casa.


O que percebo é que cada vez mais as pessoas estão se conscientizando, fato que deve preocupar algumas esferas políticas. E as eleições estão chegando, com muitos candidatos e poucas propostas. Por falar em propostas, no sábado retrasado, encontrei casualmente o meu grande amigo e confrade intelectual, Thiago Buoro, que estava a passeio aqui na querida Cidade Azul. Desde que foi para Araraquara nos vemos muito pouco devido às tarefas que acumulamos, tanto no trabalho quanto na academia. Entre as muitas coisas que conversamos, falávamos justamente das propostas que arquivávamos quando éramos mais jovens, no tempo em que os candidatos até tinham plano de governo. Thiago e eu nos encontramos logo depois do show do Ari Toledo que, aliás, foi maravilhoso e para o qual abro um novo parágrafo.

Antes do politicamente correto e de seus disparates – que facilmente entrariam para o FEBEAPA de Stanislaw Ponte Preta – anedotas acerca do status quo eram feitas e permanecia tudo bem, pois piada é isso mesmo! O mais engraçado dos Trapalhões, criador de um novo glossário (quem não lembra de forévis, cacíldis, coraçãozis?) é a prova de como tudo era mais simples quando não havia essa marcação cerrada com os humoristas. Bom, isso é apenas minha opinião, ou seja, o que eu acho. A propósito, lembrei uma piadinha que Ari contou no show: diz que no tempo da ditadura (a militar) perguntaram o que ele achava dos métodos utilizados pelo regime. Eis que respondeu: “Eu não acho nada. Tinha um amigo que achava e não estão mais achando o meu amigo.”

Mas voltando ao meu encontro com Thiago, conversamos também sobre o aniversário do Plano Real. Lançado em 1994, no governo de Itamar Franco, o programa tinha como principal objetivo conter a hiperinflação. A idealização do projeto e a execução das reformas foram conduzidas pelo então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Thiago me ajudou a recordar que quando do lançamento da nova moeda um real tinha o mesmo valor de um dólar. O papo foi bastante frutífero, mas ficamos com a impressão de que vinte anos depois, em se tratando de poder de compra, a garoupa estampada na nota de cem virou um pequeno lambari e que a desvalorização do Real, infelizmente, vem se tornando uma crescente, fato que pude perceber também com o comentário de João Gandóla. Economicamente falando, o próximo presidente terá um enorme trabalho a partir de 2015.

Artigo publicado na quarta-feira (20) na edição impressa do Jornal Cidade.
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2 de ago. de 2014

O jardineiro e o office-boy

Naquele amplo jardim muito bem cuidado em que se amontoam diversas histórias que poderiam ser narradas pelo simples sabor do gesto, os pássaros colorem as manhãs de sol com sons verdes e as de chuva com tons avermelhados, no intuito de esboçar alguma alegria. Há violetas, petúnias, bromélias, hortênsias e margaridas. No fundo, algumas orquídeas e uma sequência de lírios da paz. Há também insetos que colaboram para o encanto do cenário que se mantém intacto durante as quatro estações.

O terreno abraçado por ruas paralelas é protegido com muros que impedem que o jardim seja visto por milhares de pessoas que se cruzam sem se notar e não percebem as pequenas diferenças quase invisíveis que acontecem na rapidez desnecessária e cotidiana. Mínimas biografias construídas enquanto carros, ônibus e motos circulam entre transeuntes apressados. O sinal que abre a cada 48 segundos. A atendente da barraca na esquina que chega a vender mais de mil salgados por mês e que nos dias de verão vê dobrar o consumo de Coca-Cola. Outro dia um carro ficou parado por três horas em frente a uma loja de suprimentos para escritório que fica no meio do quarteirão. Vida que segue... Mais tarde veio à tona que o dono o deixou ali até encontrar um mecânico, que constatou problema na injeção. Tudo ao mesmo tempo...

Um office-boy desce do ônibus todos os dias às 8h02. Juninho, como é conhecido em todos os lugares, está sempre com os fones do celular no ouvido. Hoje é dia 13 de julho. Como a maioria dos meninos e das meninas de sua geração, o rapaz adora música. Não sabe a diferença entre One Direction e Rolling Stones, mas diz gostar de rock. O ponto de ônibus fica do outro lado da rua, em frente ao muro, e ainda que Juninho não saiba que há flores por todos os lados ou quem sejam Floyd Council ou Pink Anderson, o garoto segue seu rumo dividido entre “rocks”, papéis timbrados e filas de bancos.

Da mesma forma, todos os dias, o jardineiro Florisvaldo fixa os olhos no relógio ponto como quem fita o horizonte e durante dois ou três segundos sente um prazer estranho ao ver o ponteiro girar. Bate o ponto às sete da manhã para em seguida iniciar o seu trabalho, sempre da mesma maneira. Desenrola a mangueira presa a um aro de automóvel fixado na parede e a posiciona no pé de uma das doze árvores sete-copas iniciando assim a irrigação. Em seguida, com uma vassoura, amontoa as folhas em diversos pontos estratégicos para depois recolher em um grande saco preto com a pá de lixo. Repete todas as manhãs esse ritual mágico e impreterível. Às vezes passa horas inteiras acariciando uma alamanda e há quem diga que Florisvaldo conversa com as plantas.

Na loucura cotidiana que evidencia o contraste entre a crueza das ruas e a delicadeza dos jardins, as chances de Florisvaldo e Juninho se encontrarem são infinitamente mínimas, mas ambos estão sob a visão diária de Paulo Cesar que, de sua mesa cheia de papéis e problemas a resolver, no oitavo andar de um conjunto de escritórios duas quadras dali, os observa como que em um ritual enquanto sorve o café em uma caneca de matéria plástica. O jardineiro e o office-boy estão separados pelo muro de preocupações individuais, construído por pessoas que caminham sem saber para onde e para quê. Diante da janela, PC assiste a um milagre incompreensível que não ousa decifrar e constata que tudo segue seu curso independente dos personagens que – ainda que não se conheçam e não tenham nada em comum – compõem esse fascínio indizível e indivisível que é a vida.

Artigo publicado na sexta-feira (01) na edição impressa do Jornal Regional.
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A minha paixão por papel teve início quando ainda muito jovem. Não me recordo exatamente como começou, mas a mais antiga lembrança que guardo é um bilhete cor-de-rosa distribuído gratuitamente quando da inauguração do Trólebus em Rio Claro com a seguinte frase no verso: “Tenho 9 anos para eu lembrar quando crescer”. Depois vieram as matérias de revistas que recortava em consultórios médicos, os jornais velhos que ganhava e os panfletos de política. O papel tem um poder estranho de eternizar os acontecimentos que me fascina e por mais que o mundo fique moderno ainda o temos como sinônimo de legitimidade.

Gosto do cheiro de papel seja porque é novo, seja porque é velho. A minha coleção de recortes e de jornais começou a tomar forma no ano 2000, quando passei a comprar diversos periódicos semanalmente. Parte desse acervo continua na casa de minha mãe, guardado em caixas arquivo no quarto dos fundos. Na tentativa de organizar, arquitetei um esquema no qual os recortes ficam sequenciados e separados por abas que fiz com papel cartão identificadas na parte superior com as letras do alfabeto.

A minha coleção conta com artigos de mais de uma dezena de colunistas que, por questão ideológica ou de estética, venho lendo e guardando. Algo que serve como suporte para o conhecimento ou apenas para juntar barata, como diria minha mãe. Infelizmente, a minha coleção ficou um pouco mais pobre desde o último domingo. Juntamente com Fausto Wolff – que foi embora antes do combinado, em 2008 –, Daniel Piza – que nos deixou em dezembro de 2011 – e Millôr Fernandes – que partiu em 2012 –, João Ubaldo Ribeiro figurava entre os meus cronistas preferidos. Um mestre que ajudava a enxergar o Brasil com uma ironia fina e um sarcasmo poético, eventualmente metafórico.

Como faço religiosamente há quatorze anos, aos domingos saio para buscar os jornais e as revistas da semana. Por mais que me digam que ficaria mais barato se assinasse as publicações e que, às vezes, até ganharia um bom desconto além da comodidade de não precisar sair de casa, não consigo imaginar as minhas manhãs sem bater aquele papo profícuo com meu amigo Carlinhos, o dono da banca, e os seus assíduos fregueses matinais. Ainda que soubesse da morte de Ubaldo e tivesse acompanhado toda a repercussão, por um instante, não me ative ao fato de que tinha morrido no último dia 18.

Ao voltar para casa procurei seu texto e foi então que me dei conta de sua ausência e do abismo intelectual que se formou nas minhas manhãs de domingo. Não preciso repetir que João Ubaldo Ribeiro foi um grande autor e que o Brasil acaba de perder um dos maiores expoentes da literatura. Creio que muito mais que um escritor que merece todas as honras possíveis, Ubaldo deve também ser lembrado, acima de tudo, como um dos mais extraordinários críticos do status quo. Ubaldo, assim como Fausto, Piza e Millôr deixa minha coleção de recortes incompleta cedo demais. Dentre as muitas coisas que ficam, sigo com a frase: “Faço tudo que me dá na cabeça, não quero saber de limitações. Eu não pequei contra a luxúria. Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer.” Bom dia a todos!

Artigo publicado na quarta-feira (30) na edição impressa do Jornal Cidade.
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21 de jul. de 2014

Ainda a educação

Como já disse outras vezes nesta coluna e venho repetindo há alguns anos sempre que tenho oportunidade, o desmantelo com a educação é uma das coisas mais preocupantes no Brasil e muitos são os fatores que distanciam os jovens das salas de aulas. O tráfico e a violência são os mais preocupantes, mas também colaboram para a pouca atratividade da escola o modo arcaico que o ensino se relaciona com os estudantes e a rapidez com que o mundo se apresenta fora da escola. No intuito de suprir o histórico déficit educacional, muitas coisas foram tentadas, mas a lacuna existencial entre os jovens e a escola continua uma constante nos últimos cinquenta anos.

Coordenado até a sua extinção, em 1969, por Maria Nilde Mascelani, o Serviço de Ensino Vocacional (SEV), conhecido popularmente como Ginásio Vocacional, foi uma ótima tentativa de fazer algo pelo país através da educação. Seis unidades foram instaladas em todo Estado nas cidades de São Paulo, São Caetano do Sul, Americana, Rio Claro, Batatais e Barretos. Essas escolas públicas funcionavam em período integral e primavam pelo conhecimento associado ao valor do trabalho em grupo e a ampliação de qualidades como o amadurecimento intelectual e social, além da descoberta da responsabilidade. Porém, vieram os jipes e tanques e acabaram com os planos.

Leonel Brizola, enquanto governador do Rio de Janeiro, também tentou fazer alguma coisa para melhorar a educação com um projeto educacional de autoria de Darcy Ribeiro, os Centros Integrados de Educação Pública. Os CIEP, como eram conhecidos, além do currículo regular contavam com atividades culturais, estudos dirigidos e educação física. Os alunos permaneciam na escola em tempo integral e recebiam também refeições completas, atendimento médico e odontológico. A capacidade média para cada unidade era de mil alunos e 512 unidades foram construídas durante seu governo. Porém, o projeto foi abandonado e jogado às traças por sucessores do governador.

Tiveram também os Centros Integrados de Atendimento à Criança, que nada mais eram que uma versão federal e collorida dos CIEP de Brizola. Os CIAC tinham como objetivo fornecer à criança e ao adolescente educação fundamental em tempo integral, além de programas de assistência à saúde, lazer e iniciação ao trabalho. Após o Impeachment de Collor, para não perder os investimentos, o programa teve continuidade, porém com outros termos e um novo nome: Centro de Atenção Integral à Criança (CAIC). Tanto os CIAC quanto os CAIC em sua maioria foram desamparados pelos governos posteriores, salvaguardando um ou outro que ainda funcionam com esforço de algumas prefeituras e professores bem intencionados.

Tem também o Cristovam Buarque, que fez e faz muito pela educação e talvez seja o último baluarte para os que ainda esperam a transformação social através do ensino. Idealizou enquanto reitor e professor da UnB, no ano de 1986, o Bolsa Escola – que primeiramente foi implantado em Campinas e Distrito Federal no ano de 1995 e, posteriormente, foi inserido como programa federal pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2001. Vale lembrar que FHC não fez questão de mudar o nome do projeto ainda que a ideia tivesse sido de um político da oposição.

Diferente de Lula que depois do fracasso do Programa Fome Zero (alguém se lembra?) mudou o nome para Bolsa Família e transformou o programa que tinha como objetivo promover a educação em uma forma de assistencialismo a qual tanto criticava. Uma coisa comum entre todas essas tentativas por uma melhor educação é que todas sofreram críticas que vão desde acusações de oportunismo político com potencial de clientelismo implícito às reclamações de alguns educadores críticos a esse tipo de projeto, pois acreditam que seria mais eficaz investir nos modelos de educação já existentes. Uma coisa é certa quando o assunto é educação: algo precisa ser feito no Brasil, se não...

Artigo publicado parcialmente na quarta-feira (16) na edição impressa do Jornal Cidade.
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5 de jul. de 2014

O jogador

Clarismar joga futebol todos os domingos de manhã em um campo mantido pelo poder público. Não é muito próximo a sua casa e mesmo assim nunca faltou a nenhum dos jogos do Unidos do Cafundó, time no qual despontou como atleta ainda quando adolescente. Atua na ponta e além de puxar a marcação, busca o jogo no meio-de-campo quando a defesa está mais forte. Corre o tempo todo pela lateral até o centro e parece nunca cansar. Apesar da idade é um dos destaques do campeonato este ano e, se continuar assim, pode ganhar uma medalha no final.

O jogo de camisa do time é patrocinado por um minimercado do bairro que vê na publicidade estampada no peito dos jogadores uma chance de aumentar as vendas dos seus produtos. O bar que fica em frente ao campo assa espetinhos na churrasqueira armada na calçada com a intensão do público consumir o petisco acompanhado com cerveja depois do jogo. Os jogadores sempre têm uma caixa da bebida preferida dos brasileiros patrocinada pelo dono da padaria, um senhor de bigode muito boa praça e que já foi candidato a vereador duas vezes sem sucesso, mas que vê no gesto uma possibilidade de cultivar alguns votos.

Clarismar tem três filhos e trabalha duro durante a semana como ajudante geral em uma multinacional. Na empresa é apenas um número e ninguém nota sua presença enquanto passa o rodo no chão das salas e dos corredores. Às vezes esbarra em algum executivo apressado com as mãos abarrotadas de papeis que Clarismar presume serem muito importantes. O salário é baixo, porém tem algumas garantias como Vale Alimentação e Plano de Saúde com cobertura para os filhos e a mulher Janice. Nunca se perguntou se é realmente feliz, apenas vive como se viver fosse o suficiente. À tardinha, quando termina o expediente, passa no bar próximo a sua residência, toma duas doses de cachaça, sessenta centavos. Não demora e já segue para casa onde se acostumou a viver com tudo muito pouco, menos o amor pela mulher e pelos meninos que é muito e transcende toda a existência.

Os filhos de Clarismar têm oito, seis e quatro anos. Sempre que autorizados pela mãe acompanham o pai no sonho de se tornar um jogador de futebol profissional. O problema, porém, é que o tempo passa e agora com pouco mais de trinta anos não consegue ver muito futuro em sua paixão a não ser nos jogos amadores. Ainda que tenha muita raça, joga com cautela para não se machucar, pois tem de trabalhar no dia seguinte e trabalhar todos os dias com carteira assinada, bem sabe Clarismar, é fundamental para suprir os poucos desejos e as muitas necessidades de sua família.

Quando o jogo acaba, os meninos comemoram com o pai a vitória do seu time ou tentam consolar caso ocorra a derrota. O combinado é que no primeiro domingo de cada mês o pai leva os meninos para comer uma coxinha cada e uma Coca-Cola de dois litros da qual também se serve em um copo um pouco maior misturado com uma dose de 51. Enquanto cuida da limpeza da empresa em que trabalha, ou quando está no bar, à tarde, bebendo a sua cachacinha; ou quando está em campo aos olhos de toda a torcida, Clarismar não pensa na inflação, no alto custo de vida Brasil, no descaso do governo com a saúde, com a inflação que sobe aceleradamente, com o preço dos produtos nas prateleiras. Clarismar é visto pelos filhos como herói. Clarismar quer dar uma vida melhor para os filhos e a esposa. Clarismar não tem sonhos definidos. Clarismar quer apenas ser jogador.

Artigo publicado na sexta-feira (04) na edição impressa do Jornal Regional.
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Outro dia estava no supermercado fazendo compras para a semana, habito que se tornou comum depois do casamento. Minha esposa e eu gostamos muito do ritual das compras e fazemos com certo prazer, sempre aos fins de semana. Andar por entre os corredores observando preços e produtos nas mais variadas cores tudo exposto nas gôndolas não é de todo o ruim, mas ainda assim sei que há muita gente que não gosta. Estava no setor das frutas, verduras e legumes quando me deparei com um antigo conhecido e que há muito tempo não encontrava. Na verdade, o vi algumas vezes no trânsito, mas nada que fosse tão próximo quanto o ocorrido no sábado. Indeciso entre o tomate Carmem ou o Débora, optei pelo primeiro e, nesse instante, essa pessoa muito especial para a minha formação – ainda que não saiba disso – começou a escolher a fruta do meu lado.

Em 1992, eu cursava Edificações no Chanceler Raul Fernandes. Logo nos primeiros meses descobri que não tinha muita envergadura para o assunto. Confesso que tentei, porém não havia jeito de me envolver com o curso. Assistia, às vezes, a primeira e a segunda aula e no intervalo ia para a biblioteca onde ficava até a hora da saída. Foram três tentativas frustradas até perceber que não pertencia a área das Exatas: Edificações, Contabilidade e Processamento de Dados. Entrava, via algumas aulas e descobria que não era nada daquilo que queria. Assim foram três anos em que passava a maior parte do meu tempo naquele templo de livros. Posso afirmar que aprendi muito mais nesse período em que eu passei horas inteiras dentro da biblioteca, fuçando os livros, do que propriamente o tempo que passei (ainda que tenha sido muito pouco) dentro da sala de aula.

A biblioteca não era muito grande se comparada as que eu viria a conhecer depois, mas, recordando agora, me parecia muito grande. Ler sempre foi uma das minhas maiores paixões e naquele local descobri muita coisa interessante. Coisas que contribuíram para minha formação, ainda que não tivesse consciência disso à época. Lia de tudo e de forma muito desconexa, apenas com alguma orientação do senhor Wilson. Hermann Hesse, Aldous Huxley, Paulo Coelho, George Orwell, Roberto Shinyashiki, Drummond, Pessoa, entre outros, foram autores que descobri ali. Alguns estão comigo até hoje, outros se perderam durante a trajetória. Lembro que foi nessa época que reli Alice no País das Maravilhas e também alguns daquela série O Autor por Ele Mesmo, da Martin Claret. Tinha um do Raul Seixas com frases de efeito destacadas com as quais eu gostava de ficar refletindo. Havia acabado de entrar em contato com a produção musical do Maluco Beleza. Sua morte ainda era recente e tudo a seu respeito me interessava muito naquele momento.

Deslizando o dedo indicador pelas lombadas dos livros, seguia garimpando algo novo – ainda que tudo fosse muito novo – ou talvez algo que fizesse parte do meu parco repertório de conhecimento. Aquele mundo paralelo à escola era o que de mais interessante um garoto de quinze anos como eu poderia querer. O que eu não locava para ler em casa, ou na hora do almoço no trabalho, lia ali mesmo. O silêncio da biblioteca sempre me foi ensurdecedor, tantas coisas para serem ditas em tão pouco tempo. Quanto conhecimento querendo saltar para fora das páginas em busca de alguma atenção. Senhor Wilson era quem tomava conta da biblioteca. Nunca soube qual a sua função específica, o que sei é que sempre estava lá anotando empréstimos e sugerindo algumas leituras.

Quando começou a escolher o tomate do meu lado, no mercado, olhei esperando que talvez me reconhecesse, mas não foi o que aconteceu. Disse: “Olá senhor Wilson, tudo bem?” Ele ainda que não me reconhecesse, respondeu: “Oi, tudo bem. Você me conhece da escola, não é mesmo?”. “Sim” – rebati. Em seguida, silêncio entre pessoas e tomates. Tive certeza que não se lembrou de mim, mesmo porque muita gente deve ter passado por aquela biblioteca. Terminei de separar os tomates, comentei o ocorrido com minha esposa que voltava da seção dos frios e retornamos para casa satisfeitos com os tomates e certos da importância dos livros e de pessoas como o senhor Wilson para a formação de cidadãos.

Artigo publicado parcialmente na quarta-feira (03) na edição impressa do Jornal Cidade.
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21 de jun. de 2014

Nota sobre Cinema n° 1

O cinema teve início no final do século XIX, na França, quando os irmãos Louis e Auguste Lumière realizaram a primeira exibição do filme L'Arrivée d'un Train à La Ciotat (A chegada do trem na estação). A película tem apenas cinquenta segundos de duração, porém é a grande responsável e o ponto de partida para tudo que viria depois em matéria de cinema. Depois dessa curta exibição muita coisa vem sendo produzida no cinema, coisas boas e coisas ruins. A produção atual, por exemplo, é muito vasta e ótimos longas-metragens são realizados, mas, infelizmente, os jovens são sempre atraídos por aquilo que não tem qualidade. Tenho tentado transmitir para alguns alunos que o contato com os mais diversos tipos de filmes é muito bom, no entanto, é preciso estar atento para não cair na armadilha do consumo.

Os filmes que se tornaram eternos – como Viagem à lua, O Nascimento de uma nação, O encouraçado Potekim, Tempos modernos, O mágico de Oz, E o vento levou, Cidadão Kane, Casablanca, Cantando na chuva, Um corpo que cai, Quanto mais quente melhor, Janela indiscreta, A doce vida, Psicose, A aventura, O poderoso chefão, Taxi driver, Laranja mecânica, para citar somente alguns de memória – são clássicos porque carregam em seus roteiros e em suas imagens muito mais que somente entretenimento, algo que serve para formar cidadãos e, creio, encaminhar para a vida.

Está mais do que provado que todos os filmes acima transmitem valores de toda a ordem e, sem dúvida, foram, são e serão essenciais para o ser humano como forma de suprir o eterno abismo existencial entre o pensar e o agir. Assisti a esses filmes, que chegaram ao meu conhecimento através de recomendações ou de listas em revistas especializadas, quando já estava quase na fase adulta alcançando a maioridade. Lembro que os vi com a curiosidade cinematográfica de uma criança diante do mundo lá fora, gigante, distante e desconhecido. Por isso, posso garantir que há parte de todos os personagens ali existentes, suas histórias e suas falas em minha formação intelectual.

Mas deixando os grandes clássicos de lado, devo confessar, porém, que nada foi mais significativo e marcante do que os filmes que vi quando ainda adolescente e que chegavam até mim pela locadora da Sandra ou porque eram exibidos pelas redes de tevê aberta. Percebo, olhando pelo retrovisor da vida – que deixa tudo distante, porém bem mais nítido – que aquelas produções auxiliaram a cultivar o que viria a ser meu caráter, bem como ajudaram a perceber com algum discernimento o que é e o que não é adequado para viver uma boa vida. Clube dos cinco, Conta comigo, Te pego lá fora e Curtindo a vida adoidado são alguns bons exemplos de filmes aparentemente sem muita pretensão, mas que deixaram valores impressos em quem os assistiu. Valores como companheirismo, amizade, respeito e até rebeldia. Sim, porque um pouco de rebeldia nunca fez mal a ninguém.

Entretanto, os filmes que vejo atualmente (percebam, há muitas exceções, contudo os que os jovens mais estão expostos – até porque são ostensivamente sequenciados – não acrescentam nada a não ser o desejo de consumo, seja material, sexual, ou de qualquer outra ordem) demonstram um desinteresse com os valores que poderiam colaborar para a formação do público jovem. A franquia Velozes e Furiosos, para citar somente um exemplo, não transmite nenhum valor a não ser o do dinheiro, com o qual se pode comprar carros caros e superpotentes e (hipoteticamente) mulheres fáceis e sensuais. Como entretenimento para pessoas já desenvolvidas o filme é uma opção medíocre de entretenimento. Para adolescentes em formação, repito, não acrescenta absolutamente nada!

Artigo publicado na quinta-feira (19) na edição impressa do Jornal Regional.
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13 de jun. de 2014

E se?

E se os hospitais públicos fossem todos bem equipados, se não faltassem médicos e enfermeiros, se os médicos e enfermeiros fossem bem remunerados e não precisassem exceder a carga horária de trabalho para dar conta da demanda, se os usuários não tivessem que esperar por horas na fila por uma vaga que não chega nunca deitados em macas abandonadas nos corredores ou, não pouco comum, no chão frio dos corredores gélidos e cinzas dos prontos atendimentos. E se o Ministério da Saúde deixasse de reconhecer, através de notas escritas pela assessoria, que há problemas no setor e começasse a promover melhorias significativas com o dinheiro dos impostos que pagamos religiosamente.

E se, da mesma forma, as escolas públicas dispusessem de equipamentos da mais alta qualidade que ajudassem os professores a prender a atenção dos alunos no intuito de promover o conhecimento. E se os professores ainda pudessem sentir orgulho da mais bela das profissões, por serem valorizados enquanto educadores e bem remunerados como profissionais da educação. Se o ensino de qualidade realmente chegasse aos rincões do país para que atuasse como modificador e pudesse transformar de forma verdadeira a vida das pessoas, que estão cada vez mais aflitas e ansiosas por mudanças sinceras e significativas, não apenas como peça de publicidade.

E se os políticos tentassem, ainda que com muito custo, reconquistar a confiança do povo e, acima de tudo, promovessem o bem estar social ao invés de viver tentando implantar planos de poder e de eternização de cargos públicos. E se os nossos representantes olhassem para a beira do caos em que se encontra o Brasil que depois duas décadas de estabilidade volta a figurar no ranking dos países com as maiores taxas de inflação do mundo e os preços — desde o tomate às carnes, do combustível aos planos de saúde — aumentam vertiginosamente. E se os governantes deixassem de confiar que podem sempre se posicionar ilesos acima da ética e da moral para alcançar seus objetivos como que acreditando que os fins justificam os meios.

E se nós, enquanto eleitores, prestássemos mais atenção no que nossos representantes políticos fazem com o direito de representação que os entregamos através do voto e começássemos, assim, a descartar a possibilidade de que essas pessoas se eternizem nos cargos e transformem a política em profissão. A vontade de ocupar um cargo público deve ser precedida não somente pela aspiração de ajudar os semelhantes (o que já seria um grande avanço se dermos uma olhada na situação brasileira atual), mas também por uma vocação que deve estar intrínseca ao pretendente para que não caia na lógica da conformidade com os interesses de grupos privados, do corporativismo, da tecnocracia e da corrupção. É preciso observar e estar sempre atento!

Se todas essas colocações expressas anteriormente precedidas por conjunções subordinativas condicionais passassem do plano das aspirações para o plano das ações, talvez, o povo brasileiro (para usar uma expressão cínica e já muito gasta pelos políticos) poderia comemorar os jogos da Copa do Mundo com maior intensidade. Talvez se vivêssemos em outro Brasil, com maior distribuição de renda e menor desigualdade social veríamos mais ruas pintadas com as cores verde e amarela. As bandeiras já estariam penduradas nas sacadas dos apartamentos e as antenas dos carros todas enfeitadas com fitas coloridas, como sempre aconteceu. De qualquer forma, no entanto, entretanto e, portanto, a gente vai continuar torcendo pelo Brasil, torcendo para que seja, verdadeiramente, um país de todos. Boa Copa a todos!

Artigo publicado na quarta-feira (11) na edição impressa do Jornal Cidade.
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6 de jun. de 2014

Do outro lado da linha

Por entre ruas que cortam avenidas, carros se proliferam aos montes. As bicicletas vão perdendo espaço para as motos no imaginário das crianças que, aliás, crescem rápido e logo se tornam pais. Os campos de futebol sem grama, apelidados por minha geração de rapadões, viraram casas que depois foram demolidas para dar à luz aos grandes prédios comerciais. As árvores foram sendo substituídas por outras de menor porte, mas ainda é possível se refrescar à sombra de algumas poucas sibipirunas que restam e resistem fortes abraçadas aos fios de alta tensão. As escolas continuam as mesmas, porém agora com outros professores, que continuam educando e transmitindo valores as crianças do bairro. A brincadeira na rua ficou mais perigosa devido ao trânsito, mas as pipas não deixaram de enfeitar o céu azul do mês de agosto. Os doces do carrinho do Vô, que ficava em frente ao Antônio Sebastião da Silva, foram substituídos pelos do 1,99, assim como a casquinha que era vendida ali na esquina e os gelinhos de groselha azul da Dona Regina, mas ainda assim continuam com o mesmo sabor de infância bem vivida.

O que antes era o fim do município agora é o centro de outra cidade. Novos bairros adjacentes foram sendo criados e outras pessoas de outros locais foram chegando. A mistura de raças, crenças e ambições foi tornando o Cervezão um lugar diferenciado, porém semelhante às grandes periferias de todo o Brasil com inúmeras possibilidades e enormes contradições. Aos poucos, o bairro – que chegou a ser bastante discriminado, mas que vem paulatinamente adquirindo outro status devido ao seu emergente poder político e econômico – se integra ao resto da cidade, pois passou a gerar a sua própria economia e também a ter um peso significativo nas eleições municipais. Aos poucos, a linha de trem, que era um divisor real e palpável e que separava o Grande Cervezão do resto da cidade, vai se tornando invisível quase que se apagando por completo do imaginário dos que aqui nasceram, moram ou foram criados.

O pontilhão, a Lagoa Seca, as quadras do Boa Esperança, a Avenida M-23, a Avenida M-25, a Rua M-8, a Rua M-12, a Estrada de Brotas, a erosão, a feira de domingo, os bares, as igrejas são patrimônio desse universo paralelo que se tornou o Cervezão. Ainda que muitos passos dados nessas “longas ruas distantes de subúrbio, velhas e compridas ruas não violadas pelos prefeitos”, tenham ficado para trás é certo que outros passos serão dados no intuito de seguir construindo a história desse bairro querido e odiado, que desde sempre gerou e vai continuar gerando uma mescla de sentimentos absortos. Para quem nasceu aqui e assistiu a tudo ser construído e modificado – como, por exemplo, o corte dos últimos eucaliptos, as ruas serem asfaltadas e se tornarem de mão única, a urbanização, a chegada do Trólebus, a expansão do comércio, a partida do Trólebus, a proliferação dos semáforos, a chegada das agências bancárias, da internet e das tevês a cabo – só existe uma palavra para exprimir o sentimento por esse local: contentamento.

Tudo no Cervezão é diferente. Sua origem ainda é meio confusa e controversa, mas o que se sabe é que o loteamento teve início nos anos 1970. Várias histórias são contadas a esse respeito e dois a cada dois moradores tradicionais dizem ter sido os primeiros a chegar e que “ali, logo ali”, apontando com o indicador, “era só pasto e eucalipto”, mas isso não importa, pois o que importa mesmo é que a história segue seu curso e de certa forma todos são autores dessa biografia. Quem chegou primeiro ou quem deu início a isso ou aquilo não conta, pois o que conta é o anseio desse povo que, no intuito de construir um lar, acabou edificando o bairro (perdoe a minha parcialidade) mais importante da cidade. Um bairro que estará sempre nos corações e mentes de cada um dos que passaram por aqui e tiveram sua história pessoal relacionada com a desse gigante de Rio Claro. A pessoa pode, por uma infinidade de motivos, sair do Cervezão, mas uma coisa é certa: o Cervezão nunca sai de dentro da pessoa.

Artigo publicado na sexta-feira (06) no caderno 'Especial Cervezão' da edição impressa do Jornal Regional.


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30 de mai. de 2014

E o galo cantou

Acredito que os amigos leitores já devem ter visto ou ouvido falar alguma coisa sobre a entrevista exibida pela tevê portuguesa RTP há exatamente um mês na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou peremptório desconhecer os condenados no processo do mensalão. Disse: “Não se trata de gente da minha confiança. E eu também não vou ficar discutindo a decisão da Suprema Corte. O que eu acho é que essa história vai ser recontada”.

João Gandóla, nosso pensador aqui do bar, está inconformado com a afirmação do ex-presidente que, a seu ver, negando os companheiros, de certa forma, está negando a si mesmo. Ponderou assaz contundente: “um homem que esteve lado a lado com Dirceu, Genuíno e Delúbio durante a maior parte da vida e que, juntos, construíram um partido que conseguiu aboletar a ideia de mudança para uma parte significativa da sociedade, negar que existam vínculos é muita falta de consideração! Não só com os companheiros de uma vida inteira, mas com todo o povo brasileiro!”.

“Dirceu, Genuíno e Delúbio não eram de sua confiança?”, questionou espantado o Toninho que fechava a conta de Zébedeu e ouvia a conversa de orelhada. “Como assim? Desde a sua fundação, no início da década de 1980, o PT contava com a presença de Zé Dirceu que, depois que desfez a cirurgia plástica, passou a participar das atividades do partido. Da mesma forma, Genuíno que desde que foi anistiado em 1979, também participou da sua fundação e foi deputado federal pela legenda por duas décadas. E esse Delúbio? O Pimenta me contou que, antes de ser o tesoureiro do PT, era sindicalista e tesoureiro nacional da CUT, além de ter sido coordenador das campanhas presidenciais de Lula tanto em 1989 quanto 1998”.

O que causa estranhamento até mesmo nas pessoas que simpatizam com Lula e são seus eleitores convictos (ainda há alguns por aqui) é o porquê de o ex-presidente ter feito tal afirmação. Infelizmente, desde que assumiu o poder, o partido vem perdendo pessoas que poderiam em muito somar para aquele processo de transformação vendido na campanha eleitoral de 2002. Baixas significativas como a de Heloísa Helena e Luciana Genro, denominadas, à época, como “radicais do partido”. Sem contar Cristovam Buarque, um homem preocupado com a educação brasileira, demitido por Lula via telefone em 2004.

Esse pessoal aqui do bar anda mesmo antenado e arguto quando o assunto é política. O acontecido na tevê portuguesa revela que a ordem no momento é negar ou não tocar no assunto mensalão durante o período de eleição, pois pode respingar na candidatura de Dilma à reeleição, que, aliás, sofre quedas significativas, segundo as mais recentes pesquisas. Não bastasse a tentativa de calar as manifestações contra a Copa – que podem ou não continuar acontecendo – os dirigentes políticos e, principalmente de Lula, adotaram a negação como fórmula. Negar a tudo e a todos, ou seja, negar, negar, negar. Como fez Pedro, negar.

Artigo publicado na quarta-feira (28) na edição impressa do Jornal Cidade.
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17 de mai. de 2014

E a educação?

Não é de hoje que a educação pública está – para ser bastante otimista – uma calamidade. As autoridades não aparentam estar preocupadas com o conhecimento adquirido pelos alunos, mas sim com a “universalização” do ensino. Não bastasse o descaso por parte do governo parece que – ainda que inconscientemente – os alunos estão se espelhando na máxima “Eu cheguei à Presidência mesmo sem ter um curso superior”, ou na fala de MC Lon que, em entrevista recente ao jornalista Roberto Cabrini, do Conexão Repórter, disparou: “Eu construí essa casa no valor de 800 mil reais e não precisei fazer faculdade”.

Mas isso não é tudo, pois outras coisas preocupam quando o assunto é Educação. Recentemente, alunos da rede pública da cidade de Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte, receberam cadernos com erros de escrita no Hino Nacional. Alunos da cidade de Jundiaí também foram contemplados com erros no material de geografia, dessa vez, pasmem, com a ausência do Distrito Federal no mapa do Brasil. Teve também o caso dos uniformes do “Centro de Encino Médio 01”, distribuídos aos alunos daquela escola.

Além de tudo isso, o que impressiona é que a garotada também não demonstra muito interesse em aprender e se dedicar aos estudos e não percebe que está sendo preparada para a ignorância e que ignorantes em um país de governantes déspotas que conta ainda com uma música de péssima qualidade serve apenas como massa de manobra. Atualmente, os jovens estão aficionados com essa onda da ostentação que, como bem definiu meu amigo Pavão, nada mais é que “a vontade de mostrar aquilo que você não precisa e que foi comprado (?) com um dinheiro que você não tem para alguém que você não dá à mínima”.

Domingo passado no bar outro amigo disse estar preocupado com o que seus filhos estão ouvindo e, sobretudo, muito atento com o que andam fazendo na escola. Marinho é gente boa, um típico trabalhador suburbano com carteira assinada e que não deixa faltar nada para a família que construiu junto com a esposa. Sua maior preocupação é com a educação dos meninos, um com 12 e outro com 14 anos. Ainda que tolhido de muitas oportunidades na vida, Marinho acha importante adquirir uma boa educação para que se possa vislumbrar um bom lugar no futuro.

- É esse tal de funk ostentação! – esbravejou o meu amigo tentando encontrar alguma melodia na letra: “Contando os plaque de 100, dentro de um Citroën, ai nóis convida porque sabe que elas vêm, de transporte nóis tá bem, de Hornet ou 1100, Kawasaki, tem Bandit, RR tem também” – sucesso (?) do MC Guime. Indignado ainda questionou: “em que isso pode contribuir para a formação intelectual dos meus meninos? Eles ainda não sabem tabuada e desconhecem a forma correta de escrever algumas palavras!”.

O funk enquanto entretenimento musical pode até ser dançante e causar certo furor, mas como mensagem não transmite nada valor para a juventude em suas letras tétricas e colaboram (com intenção ou não, não sei) para o descaso do governo com a educação. Conheço Marinho há muito tempo, desde a época em que tocávamos Raul em volta da fogueira e sei que sua repulsa não se deve apenas ao comum e compreensível conflito de gerações, mas sim a uma indignação com essa tamanha inversão de valores. Não há nada de rebeldia nas letras de funk, apenas o ter se sobrepondo ao ser. Enquanto isso, os jovens sem a instrução necessária, não percebem o estratagema e o ensino no Brasil vai se tornando, cada vez mais, arma nas mãos de “músicos” desafinados e políticos mal intencionados.

Artigo publicado na quarta-feira (14) na edição impressa do Jornal Cidade.
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10 de mai. de 2014

Jair Rodrigues chega ao céu

Lá no céu, Elis Regina acorda bem cedinho. Nesta quinta-feira, porém se levantou mais cedo do que de costume. Depois de tomar uma xícara de café e de fumar um cigarro olhando para o horizonte, saiu andando pelas nuvens observando as flores no jardim enquanto os pássaros gorjeiam a melodia de A Felicidade. Mais adiante, é possível observar dois cães brincando de correr no gramado verde e ainda úmido com o orvalho da madrugada em uma quase dança cadenciada e harmoniosa. São Zigue e Zague, dois vira-latas que vivem próximo à casa de Wilson Simonal.

Elis está ansiosa, talvez tanto quanto no dia da estreia de O fino da Bossa em julho de 1964, pois hoje é uma data muito especial. Caminha mais um pouco e atravessa uma pequena ponte sobre um riacho de águas cristalinas em que é possível ver os peixes nadando muito rápido, como em um arrastão. Logo mais ao alto, sobre uma montanha de nuvens branquinhas, há uma casinha amarela com duas janelas. Elis chega ao pé da porta e diz: - Baden, você está ai? Vamos que é hoje!

Baden Powell, após verificar quem era e alisar o bigode com o polegar e o indicador, pega o violão e toca o tema de Canto de Ossanha somente para aquecer os dedos e, em seguida, ambos seguem por entre as nuvens até a recepção, local em que os anjos estão posicionados em um semicírculo, à esquerda de uma porta que leva a uma espécie anfiteatro. Baden, ao violão, ensaia alguns acordes dissonantes enquanto Elis toma um pouco de água para lubrificar a voz.

Nisso, chega conduzido por um anjo serafim, Jair Rodrigues que é recebido pelos colegas ao som de Disparada. Ele se anima e, com seu sorriso largo e sua voz inconfundível, inicia um dueto celestial com a amiga de tantos anos enquanto Baden executa o seu também inconfundível violão. Na hora do refrão o coral incrementa o encontro musical cantando em uníssono “Na boiada já fui boi, mas um dia me montei / Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse...”. Foi tudo muito lindo.

Após a recepção calorosa dos amigos, Elis pergunta por Chico e Edu. “Estão muito bem! Cantando e tocando aquelas lindas canções e compondo outras ainda mais belas”, responde Jair que aproveita para perguntar por Vinícius de Moraes. Baden o informa que o poetinha devia estar dormindo, pois na noite anterior tinha tomado um porre, mas que logo viria ao seu encontro. O trio de amigos caminha então por sobre as nuvens olhando aqui para a Terra com os olhos rasos de uma saudade satisfeita. Desde a noite do dia oito de maio uma nova estrela começou a brilhar no céu, logo ali do lado esquerdo do Cruzeiro do Sul. Ela passa a noite inteira piscando na cadência de “Deixa que digam, que pensem, que falem. Deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem?”, você já viu?

Artigo publicado na sexta-feira (09) na edição impressa do Jornal Regional.

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2 de mai. de 2014

C'est la vie

Aos domingos, depois da missa, meu pai costumava passar no bar do seu Luiz para tomar uma cerveja e conversar com os amigos. Por volta de uma da tarde voltava para casa sempre acompanhado de um frango assado naquelas máquinas que existem aos montes nas calçadas da periferia. Almoçávamos sentados à mesa posta por minha mãe e, depois do almoço, meu pai ligava a teve e se deitava no sofá para assistir, entre um cochilo e outro, as atrações do Show do Esporte. Confesso que na época eu não gostava muito porque o que eu queria mesmo era ver o Qual é a Música com o Silvio Santos, mas como tínhamos apenas uma tevê meu pai tinha prioridade, pois era o seu único dia de folga.

Éramos uma família comum, cotidiana e tributável. Suburbanos buscando alguma ascensão através do trabalho. Meu pai era autônomo no ramo da construção civil e garantia para a minha mãe e eu uma vida confortavelmente boa. Com a chegada do meu irmão, a casa ficou mais cheia e mais alegre. Era um sábado, dia 15 de março de 1986 quando nasceu e, no dia seguinte, no domingo, ficamos apenas meu pai e eu em casa assistindo ao Show do Esporte com a inconfundível voz de Luciano do Valle, pois minha mãe ainda não tivera recebido alta.

Passamos a ser um quarteto fantástico, lembro de ter comentado. Juntos, minha mãe e meu pai deram a mim e ao meu irmão, a educação necessária para que pudéssemos nos tornar cidadãos razoáveis em busca de um futuro melhor. Lembrei de tudo isso agora devido à morte de Luciano do Valle na semana passada – justamente no dia do meu aniversário –, fato que me causou uma dor estranha, algo que não cabe explicar. Não me lembro da última vez que ouvi uma de suas transmissões de futebol, mas sei da sua importância para o esporte no Brasil.

Luciano do Valle não usava bordões. Suas transmissões eram carregadas de emoção e com tamanha precisão na descrição dos lances. Narrou várias Copas do Mundo e trabalhou em diversas emissoras de televisão, porém ficou eternamente ligado a Rede Bandeirantes - emissora na qual ajudou a cravar o epíteto “Canal do Esporte”. Além de narrador, teve grande importância na promoção de diferentes modalidades esportivas, como vôlei, basquete, boxe, futebol americano e automobilismo, principalmente durante as décadas de 1980 e 1990. Foi também um dos idealizadores da Copa Pelé cuja primeira edição teve como convidado o próprio Pelé, que jogou alguns minutos pela Seleção Brasileira.

A sua morte, de certa forma, fez morrer também um pouco do que fomos meu pai e eu, minha mãe ao fogão, a minha família, a nossa relação, os domingos com cheiro de frango assado, maionese e Show do Esporte. Hoje vivemos separados pela distância que se nos construiu e na solidão de nossas tevês a cabo. Meu pai continua sendo um torcedor roxo do Palmeiras e sentiu bastante a partida de Luciano do Valle. Bem como sentiu a de Geraldo José de Almeida (Que que é isso, minha gente!), a de Waldir Amaral (Brasil-sil-sil!), e a de Fiori Gigliotti (Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo). Mais do que bordões, a voz de Luciano do Valle sempre vai remeter ao mais profundo e intenso da minha meninice e àqueles domingos intermináveis e inesquecíveis.

Artigo publicado na quarta-feira (30) na edição impressa do Jornal Cidade de Rio Claro.
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18 de abr. de 2014

Ordem em progresso

Na semana passada começou a circular na internet um vídeo em que aparecem algumas pessoas agredindo verbalmente o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, na saída de um bar em Brasília. O gesto causou um frêmito nas redes sociais e na imprensa de maneira geral com uns se colocando contra e outros, mais escarlates, a favor. O fato trouxe à tona a dúvida aqui entre o pessoal. O Toninho, atacante das peladas de sexta-feira à noite, chegou até a cogitar: “será que a culpa dos atos cometidos pelos condenados do mensalão é do Supremo que os julgou?”

A “manifestação” foi realizada, gravada e postada por três pessoas que assumiram o gesto de hostilidade com orgulho. O que causa estranhamento para mim e para a turma aqui do boteco é que no Brasil as coisas parecem estar saindo do campo das ideias e da legalidade e partindo para o pessoal, com agressões verbais e, em alguns casos, beirando a agressão física. Penso ser justo e legítimo que os defensores dos condenados discordem da decisão do STF e até argumentem ou criem redes de discussão e debates, mas não creio ser necessário tratar o juiz com desrespeito, pois como diria o grande pensador aqui do bar, João Gandóla, “até mesmo entre os inimigos deve haver respeito”.

De uns tempos para cá está cada vez mais difícil discutir um assunto sem que uma das partes leve para o lado pessoal. É preciso que haja o debate, mas que seja baseado na razão e nos fatos sem que nenhum dos lados subjugue o outro. A prova dessa intolerância nos debates pode ser observada na diária demonização de determinadas pessoas somente porque têm uma posição diferente da do vigente status quo. Gente como Olavo de Carvalho, Lobão, Danilo Gentili, Rachel Sheherazade, entre outros, sofrem uma paulatina tentativa de desmoralização por terem ideias fundamentadas em outras maneiras de pensar.

Uma das queixas dos que discordam das decisões de Barbosa, por exemplo, é com relação ao chamado mensalão tucano que ainda não foi julgado e, uma vez encerrado com os réus sentenciados, seria a demonstração de que o ministro não foi parcial nas condenações petistas. Entretanto, no fim do mês passado – depois de uma decisão por 8 votos a favor e 1 contra – o STF decidiu enviar o processo do mensalão tucano para a justiça de primeira instância em Minas Gerais. Isso foi possível devido ao afastamento do principal réu do caso, Eduardo Azeredo, que ao renunciar o mandato de deputado perdeu o foro privilegiado e, em uma jogada de mestre, conseguiu ganhar tempo no julgamento. Adivinha quem foi o único ministro a votar contra? Pois é...

Assim como as pessoas que aparecem no vídeo, acredito que todos queremos o julgamento do mensalão tucano e de todos os outros que existiram ou possam vir a existir, pois somente assim acabará esse murmúrio ad infinitum de que tudo não passa de um enorme esquema de conspiração contra esse ou aquele governo. Talvez, com isso, a classe política brasileira entenda de uma vez por todas que a lei não deve e não pode ter dois pesos e duas medidas. Uma pena o vô Tide não estar mais aqui para ver que, aos poucos, os recursos deixam de caber das decisões e a Ordem no Brasil vem apresentando um lento, mas promissor Progresso.

Artigo publicado na quarta-feira (16) na edição impressa do Jornal Cidade de Rio Claro.
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11 de abr. de 2014

Copa ou manifestações?

A copa do mundo, prevista para acontecer no Brasil dentro de alguns meses, tem sido um dos assuntos mais comentados atualmente em todos os lugares. Porém, não se trata da famosa escalação que cada um dos 190 milhões de habitantes faz para si e os amigos em conversas corriqueiras sobre futebol, mas sim do acontecimento em si, fato que divide as opiniões entre os que hesitam a respeito de sua realização e os que têm certeza de que vai dar tudo certo.

No bar do Germano, por exemplo, não se fala de outra coisa. As pessoas que frequentam o local são trabalhadores comuns sem apadrinhamento político, mas mesmo assim gostam de dar uns pitacos quando o assunto é política – e o faz sem pudor – mesmo porque a esmagadora maioria tem seus filhos matriculados em escolas públicas bem como suas famílias usuárias de hospitais também públicos. Há uma quantidade enorme de dúvidas sobre a realização da Copa e as mais frequentes são com relação às vias de acesso aos campos, aos estádios inacabados, ao transporte público e também aos aeroportos. Sem contar a questão dos possíveis feriados que ninguém entendeu até agora.

Sediar a Copa é legítimo para um país apaixonado por futebol como o Brasil, o que não parece legítimo é o governo gastar em financiamentos, conforme aponta a previsão de aplicação de recursos do TCU, um valor de aproximadamente R$ 25 bi e não haver, por exemplo, um planejamento estratégico para que os estádios não fiquem gerando gastos depois da Copa, a exemplo dos construídos no Japão que causam um prejuízo de cerca de U$ 5 milhões por ano.

As recentes manifestações contra a Copa, acredito, carregam em si um caráter muito mais simbólico que de refutação gratuita. O brasileiro quer futebol, mas quer também mais atenção e investimentos nos setores públicos, principalmente nas áreas da saúde e da educação. Uma coisa não pode anular a outra. O próprio Gê – comerciante de sucesso e um Liberal Clássico convicto, ainda que não tenha plena noção do que isso seja – não vê problemas em haver Copa e manifestações, simultaneamente. Sempre repete com sua voz rouca: “há de haver consciência política no Brasil do futebol!”.

A década de 2000 ficou marcada com a eufórica chegada da esquerda – ainda que depois de uma guinada de 15 graus a estibordo – ao poder. Uma parcela gigantesca da sociedade acreditava que havia algo novo sob o sol, porém na prática a teoria parece ter sido outra. Agora, estamos sendo surpreendidos com as manifestações populares – aliás, algo muito comum em tempos de cerceamento de liberdades e descaso social – justamente quando um partido de “esquerda” ocupa o poder e, de repente, a sensação de impotência diante das lutas parece estar ficando para trás, renascendo assim a esperança em bandeiras sem insígnia.

Os atuais manifestantes e o povo de maneira geral, parecem não estar se deixando iludir com o milionário marketing político e as evasivas promessas de campanha e, com Copa ou sem Copa, o que importa é que aos poucos o brasileiro está deixando a sala e indo para as ruas reivindicar seus direitos. O Gê avisou que comprou uma nova tevê de led e, com certeza, vamos todos assistir aos jogos (se houver jogos) e as manifestações com o mesmo entusiasmo de sempre.

Artigo publicado na quarta-feira (09) na edição impressa do Jornal Cidade de Rio Claro.
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Uma amiga da qual sinto muita saudade, sempre dizia em nossos debates intermináveis que “é preciso fazer tudo de novo sem ser novamente”. Acredito que tinha razão. Mais de cinco anos depois de ter começado as postagens aqui no blog penso em dar um novo recomeço, porém agora com periodicidade e cuidado no que escrevo. Não que eu tenha preocupação com o “politicamente correto” que ronda o Brasil atualmente, mas vou tentar trabalhar a escrita no que diz respeito ao valor estético, muito além de sua função comunicativa. É um desafio e tanto, mas estou disposto a encarar!

Na época em que criei o blog não existia facebook, a palavra ideia ainda tinha acento, eu era solteiro e não havia essa ronda ostensiva com o que se diz na internet. Pois é, para você ver como as coisas mudaram... Não preciso falar que hoje sou casado, creio ter ficado subentendido. O facebook é o local no qual os brasileiros passam mais tempo. A palavra ideia perdeu o acento para se alinhar ao escrever europeu e está cada vez mais difícil ter opinião nesse país em que ter opinião novamente virou crime.

Devo essa volta a muitas pessoas, mas em especial a minha esposa, jornalista Vivian Guilherme, que abriu um espaço semanal para eu escrever no Jornal Cidade de Rio Claro, no qual pretendo discorrer sobre política e fatos cotidianos. Também a Mama Nunes, criadora do template usado aqui e que me ajudou voluntariamente na realocação e readaptação do blog. A minha amiga Alba por ter dito a frase que, de certa forma, me move até hoje. E, finalmente, porém não menos importante ao meu irmão, jornalista Lourenço Favari, por entender e me ajudar a perceber que é necessário sonhar os velhos sonhos, sempre.

Pretendo atualizar o blog todas as sextas-feiras com a coluna escrita para o Jornal Cidade que é veiculada às quartas-feiras na edição impressa. Porém, durante a semana é possível que escreva coisas (sobre música, política, filosofia, cinema e cultura) que venho pensando e que, acredito, podem colaborar para o processo de transformação histórica (que poucos conseguem enxergar) pelo qual passa o Brasil. O meu outro blog, Tempestade de Amianto, sugerido no ícone “dica” logo ali em cima à direita vai trazer coisas que me influenciam e influenciaram nessa tentativa de construção de um novo pensamento a respeito do mesmo.

Portanto, para não ser mal interpretado e sofrer o constrangimento pelo qual passou FHC – que disse a frase "A gente escreveu tanta coisa, então é cobrado sempre pelo que escreveu”, no programa Roda Viva de 21/7/1994, mas que foi interpretada e amplamente difundida pela “antiga esquerda” como "Esqueçam o que escrevi!" – decidi recomeçar deixando no ar somente aquilo que ainda vejo valor. O que ficou foi essa homenagem ao meu norte intelectual chamado Fausto Wolff quando completou um ano de sua morte. Daqui para frente é outra coisa! Para fixar bem, repito: postagens novas todas as sextas-feiras, tanto neste quanto no blog Tempestade de Amianto, porém com possibilidade que haver novidades durante a semana.

Comente! Opine! Seja bem vindo de novo, sem ser novamente!
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